Uma luta contra a escola obrigatória: Resenha do livro “Emburrecimento Programado”, de John Taylor Gatto

Victor Romão
5 min readMar 24, 2021

Me lembro quando no Brasil o STF decidiu que os pais não podem tirar os filhos da escola para ensiná-los em casa, no modo de ensino conhecido como “educação domiciliar” ou homeschooling.

Não era de surpreender, já que o Estado brasileiro é grande, centralizador e despreocupado com o tema da educação livre, mesmo com a permissão do homeschooling em diversos países desenvolvidos e um desempenho de aprendizado acima da média [1]

Talvez você não tenha escutado nada a respeito deste assunto ou não faça ideia da necessidade dos pais em optar, se assim desejarem, em educar seus filhos em casa, ou encontrar outras alternativas de educação para seus filhos, que não seja a escolarização estatal obrigatória.

Para te atualizar sobre essas questões, é importante que você conheça o grande autor John Taylor Gatto e seu livro “Emburrecimento Programado”.

O professor Gatto (1935–2018) passou mais de 30 anos em sala de aula e ganhou prêmios valiosos como “professor do ano” da cidade de Nova York em 1989, 1990 e 1991; e de todo o estado de Nova York em 1991. No último prêmio, anunciou que deixaria as classes de aula por não querer mais “ganhar a vida machucando as crianças” e passou a dedicar a sua vida escrevendo e palestrando sobre os problemas da escola obrigatória.

Em seu livro Emburrecimento Programado, publicado no Brasil pela editora Kírion, o autor apresenta a escola estatal como um problema para a sociedade americana, sendo um maquinário social contra as necessidades do espírito humano. Para Gatto, a escola foi projetada para garantir uma mão de obra dócil e maleável, capaz de satisfazer as demandas crescentes e dinâmicas do capitalismo corporativo.

O livro é curto e dividido em cinco capítulos e um posfácio. No primeiro capítulo, com o título, “O professor e as sete lições”, Gatto explica que os professores, no fundo, não ensinam as matérias que são chamados a ensinar, mas ensinam “escola”. O sistema de educação escolar, segundo ele, gera mais do que tudo: confusão, posição de classe, indiferença, dependência emocional, dependência intelectual, auto-estima provisória e a impossibilidade de esconder-se.

Essas lições têm gerado uma degradação em diversos âmbitos da realidade das crianças, como psicológicas, sociais, intelectuais e emocionais.. As escolas, neste sentido, impedem as crianças de se comprometerem consigo mesmas e com suas famílias.

No segundo capítulo, intitulado “A escola psicopata”, o autor demonstrará que a crise que ele está descrevendo não é só escolar, mas desencadeia um problema comunitário. A escola, como mecanismo de seleção, cria um sistema de castas e não gera uma real educação. Ao fim dela, as crianças tornam-se indiferentes, materialistas, são a-históricas, sentem-se desconfortáveis com a intimidade ou sinceridade e alguns outros pontos.

Na sequência, o autor demonstrará com uma escrita cativante, como foi “educado” e como o espírito comunitário, familiar e libertador produz um real sentido da vida. Ele aborda a relação do sentido com a educação e sua vocação pessoal no capítulo três que tem como título “O esverdeado Monongahela”.

No quarto capítulo, “Precisamos de menos escola, e não mais”, Gatto é mais enfático em sua tese. Ele ressalta que redes operacionais, como as escolas estatais, esgotam a vitalidade das comunidades e das famílias, promovendo soluções mecânicas para problemas humanos.

Aqui, ele esboça quatro coisas fundamentais para seu pensamento: 1) as escolas não podem ser reformadas. A estrutura burocrática escolar não tem jeito; 2) é preciso um debate sério sobre educação e a liberdade de encontrar novas formas de educação, como a educação domiciliar; 3) não há necessidade de professores certificados para educar, isso nunca foi necessário em toda a história da humanidade; 4) é o fortalecimento das comunidades locais, com suas decisões autônomas e não de burocracias institucionais que possibilitam um crescimento real, valioso e duradouro.

Por fim, no último capítulo, com o título “o princípio congregacional”, o autor demonstrará como igrejas e pequenas cidades, com sua vida comunitária, distante de um centro de comando centralizador, produziram resultados de sucesso para a educação, para a socialização e para a nação americana.

O livro de Gatto é com toda certeza, ao menos, corajoso e reflexivo. Ele toca em pontos que normalmente nunca pensaríamos, a não ser que estivéssemos realmente preocupados com o tema da educação e vivenciado a vida de um docente por anos.

Para aqueles que pensam que todo este livro trata somente do direito e liberdade de não educar os filhos em uma escola obrigatória, acabam cometendo um grande equívoco e não percebem a beleza da obra. Mesma percepção errada da maioria dos ministros do STF anos atrás impedindo o homeschooling.

O que está em jogo, como explica Gatto, é a filosofia que temos sobre a natureza humana. A escolarização obrigatória está no contexto que vê o ser humano como um maquinário. A oposição a isso é a consciência de que não existem fórmulas padronizadas para a complexidade humana, dando liberdade em inserir o humano em relações totalmente humanas (família e comunidade).

Educação precisa estar pautada por uma filosofia que vê o ser humano como capaz de coisas inimagináveis, pois é dotado de capacidades e chamado a humanidade. No fundo, essa é a base de Gatto para chegar a suas conclusões contra a escolarização obrigatória.

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Notas do artigo:

[1] O ministro Barroso, na sessão que foi decidido pela maioria dos ministros a proibição da educação domiciliar, votou contra os demais ministros e explicou que a Constituição não veda essa liberdade. Ele apresentou estudos demonstrando vários países desenvolvidos que utilizam a educação domiciliar e os resultados surpreendentes alcançados. Mais informações: https://correcaofgts.jusbrasil.com.br/noticias/624834259/stf-decide-que-pais-nao-podem-tirar-filhos-da-escola-para-ensina-los-em-casa.

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Victor Romão

Professor de Teologia; Escritor das Revistas Ensinamentos Bíblicos da ADSA; Pesquisador de Ética Cristã na PUC-SP.